Elaborando minha dissertação de mestrado em Administração, me deparei com um artigo que abordava o tema da educação sob uma perspectiva que me chamou a atenção. Dizia o autor Mark Prensky em 2001 nos Estados Unidos: “Os estudantes de hoje não são mais as mesmas pessoas para as quais o sistema educacional foi preparado.”
Infelizmente esse não é uma característica exclusivamente americana. No Brasil, os professores estão tentando sobreviver depois da drástica mudança provocada pelo asteróide digital que se chocou com a terra e mudou o clima cultural do planeta, nos empurrando para uma hipercultura.
À geração contemporânea de professores foi apresentada à chamada tecnologia - computadores, telefones celulares ou qualquer sistema de informação, incluindo aí a internet. Chega a ser um paradoxo: a geração que foi criadora desse “mundo” digital assistiu ao processo que o tornou independente e com cultura própria e fortemente diferenciada. É como se a criatura se virasse contra o próprio criador. O fato é que, de repente, olha-se em volta e percebe-se um ambiente “adverso” (ou melhor, simplesmente diverso) que emergiu da tecnologia e salta aos olhos a dificuldade para lidar com ele. Para sobreviver é necessário começar a aprender uma nova cultura, que apresenta uma forma profundamente diferente de comunicação, um novo idioma hipercultural.Vale aqui ressaltar, o quanto é difícil aprender um novo idioma. As “janelas” de aprendizagem vão se fechando na medida em que a idade avança, porque nos fechamos a partir do que já aprendemos, já que recusamos jogar tanto “conhecimento” (ainda que velho) no lixo.
Como conseqüência, a maioria dos professores se comporta como imigrantes, com sotaques denunciadores, que variam de acordo com a exposição que cada um deles teve ao novo idioma hipercultural. E esse sotaque é o responsável por gafes culturais dos mais variados tipos. Outro dia, um colega, que precisava estudar um determinado tema, me perguntou se eu conhecia algum livro que pudesse auxiliá-lo. Olha aí um exemplo de um forte sotaque. A internet ainda não é a primeira opção para buscar informação. Primeiro recorre-se a alguém e depois à biblioteca (ou vice-versa). Esse sotaque, proveniente da “língua mãe”, pressupõe que os livros são mais críveis, que não há porcaria escrita em papel. Aí se traduz internet por concentrador de lixo eletrônico, ainda que se depare frequentemente com uma quantidade de livros inúteis, com informações equivocadas ou pelo menos duvidosas e, com frequência, obsoletas. E o preconceito em relação à internet leva a descartá-la e não é raro professores proibirem seus alunos de utilizar a grande rede em suas pesquisas. Graças a Deus, existe uma maioria de alunos que, em função do forte sotaque dos docentes, não compreendem a mensagem e continuam mergulhados na rede fazendo as suas descobertas.
É difícil para a cultura estabelecida na era industrial compreender que os atuais discentes se sentem como peixes fora d’água sem o mar de informações virtuais. Na semana passada, outro colega me perguntou se eu conhecia um bom treinamento para o uso do software Excel, sem jamais tê-lo acessado para entender o real nível de dificuldade. Declara-se com grande veemência a incapacidade para utilizar algo sem treinamento ou pelo menos sem manual de instrução. Esse tipo de sotaque decorre da linguagem aprendida na era industrial, na qual os aparelhos eram mecânicos, seus modelos eram estáveis, ou seja, eram necessários vários anos para aparecer o que a nova geração chama hoje de uma nova versão. Não havia versão beta disponível para uso. De modo que, qualquer erro podia ser fatal, por isso ler manual e treinar o uso eram fundamentais, quase uma questão de sobrevivência.
Impregnados por essa visão, não se percebe que a grande maioria dos softwares (acessados por meio dos hardwares) é do tipo plug and play, é só ligar e usar. E, da mesma forma, não é raro ouvir pessoas perguntando: “clico uma ou duas vezes nisso?”. Outras perguntam “é para clicar ou não no OK?” - mesmo quando esse OK é a única opção. Essa dúvida é natural em função da linguagem antiga, na qual o erro foi muito valorizado. Ao se fazer a tradução da cultura anterior para a atual hipercultura pensa-se na possibilidade de “clicar” algo “errado” e “quebrar” o programa ou o equipamento. Não se atenta para o fato de que na era digital normalmente basta reiniciar e pronto: tudo está resolvido. A nova geração não tem medo de errar e ressuscitou o velho método da tentativa e erro para quase tudo. Se for considerado que a geração da era industrial tem um verdadeiro pavor de tal método, verifica-se o quanto se torna difícil o entendimento entre ambas as gerações.
No ambiente de trabalho é comum o comportamento ambientalmente insustentável de imprimir emails para a simples leitura. E o mais grave é que na maioria das vezes solicita-se a tarefa da impressão a um nativo do ambiente digital. Imaginem o que eles devem pensar sobre essa solicitação?
Talvez a modernidade com os conceitos arraigados no que é concreto, na matéria, no positivismo, tenha engessado a geração da modernidade, que não percebe que o mundo ficou mais fluido (líquido), seja isto bom ou ruim. Mas é fato que não se pode perder tempo refazendo o que já está feito. O tempo deve ser dedicado a analisar, criticar e criar ou recriar.
E os alunos, então? Proibidos por professores de usar o conteúdo da internet para fazer seus trabalhos escolares, ficam estarrecidos. Há professores que vão mais longe. Para garantir o cumprimento do não uso da rede, exigem que os trabalhos sejam entreguem escritos à mão. Fundamentados pela boa intenção de que os alunos não se tornem alienados, preguiçosos e despersonalizados, são vistos pelos alunos como seres da idade da pedra lascada. Enquanto isso, pesquisas sinalizam que os jovens nem assistem mais TV e já estão até aposentando o email! Eles preferem a comunicação instantânea. A TV passa o que eles já viram na net e o email demora muito para ser respondido. Então, a pergunta que surge é: quem são os alienados?
E é cometendo essas gafes culturais e carregando esse sotaque pesado, que uma leva de imigrantes se aventura a ensinar aos nativos. Mas ensinar o quê? E de que forma? Os nativos cresceram interagindo e sua prática está norteada pelo recebimento de muitas informações de forma veloz, pela realização de várias atividades simultâneas, pelo jogo virtual, pela simulação de mundos e de seus personagens e, tudo isso acontecendo de forma leve e agradável. Assim, eles não podem ter a menor paciência para as aulas expositivas, que são apresentadas passo a passo de forma sequencial e nem para ler coisas óbvias como, por exemplo, a instrução para responder a um teste de múltipla escolha.
Seria cômico se não fosse trágico, mas são esses professores imigrantes digitais que estão tentando “(de) formar” a geração digital. É como estudar japonês no Brasil, mudar para o Japão e se aventurar a dar aula de japonês nas escolas formais para os nativos daquele país. Por quanto tempo, professores imigrantes digitais ainda sobreviverão no meio dos “escombros” causados pelo asteróide digital que atingiu o planeta industrial?
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)


Nenhum comentário:
Postar um comentário